RIO - Com apenas dois folhetins no currículo, ambos estrondosos sucessos das 19h - "Da cor do pecado", que teve média geral de 43 pontos e "Cobras e lagartos", 38 -, João Emanuel Carneiro é a expressão concreta da idéia de "a grande aposta" da Globo para este ano. Vai assinar "A favorita", próxima novela das 21h, com estréia marcada para o dia 2 de junho. Com isso, entra para um time fechadíssimo de autores. Adepto de histórias com poucos personagens e focadas na trama central, ele só reclama do número de capítulos: "200 é um absurdo". No mais, prepara uma história que nem ele sabe onde vai dar. E conta com o público para achar o caminho.Você está entrando para o grupo de autores de novelas das 21h da Globo (que tem Aguinaldo Silva, Glória Perez, Manoel Carlos, Benedito Ruy Barbosa, Gilberto Braga e Silvio de Abreu). Eles são chamados internamente na Globo de autores-"top". Dá medo?
JOÃO EMANUEL CARNEIRO: Não. Estou totalmente confiante. A história que estou escrevendo veio na minha mão, naturalmente. Uma novela é como uma criatura, um organismo. Quando você está no caminho certo, os personagens começam a falar à sua revelia. "A favorita" já me ultrapassou, está além de mim, é uma obra viva.
Qual a diferença de escrever para este horário, além do salário?
CARNEIRO: Basicamente, às 21h, o autor passa a ser um personagem também, as pessoas comentam coisas como "o autor fez isso, o autor fez aquilo". Criticam ou aprovam a pessoa que escreve. Você vira um personagem da novela também. No horário das sete não é assim. Mas, por outro lado, tem um dado tranqüilizador: você sabe que tem gente sentada para te assistir. Às 19h, você não tem essa certeza. E, olha, a grana não mudou por causa do horário. O salário na Globo é de acordo com o que você já fez. E eu tenho duas novelas.
Você veio do cinema. O trabalho é parecido?
CARNEIRO: Completamente diferente. No cinema, você escreve histórias mais curtas. A TV é um trabalho de chinês aposentado. A maneira de pensar é inteiramente outra. Antigamente, como telespectador, eu via as novelas e tinha a impressão de que a mesma cena se repetia. Hoje, compreendo que o público está treinado para ficar "ouvindo um eco". Esse eco precisa existir. É uma coisa meio mântrica que torna a história um todo compreensível num prazo tão longo. Nos seriados americanos, como em "Desperate housewives", isso também acontece. Faz parte do processo saber reproduzir este ritmo.
Trabalhar numa indústria poderosa como a TV faz diferença, comparando com o cinema?
CARNEIRO: A Globo conseguiu formar um grupo de criadores de universos, coisa que o cinema nacional não fez, porque só investiu em diretores. A televisão deu tão certo no Brasil e é tão importante que esse é o resultado. Um cara como o Aguinaldo (Silva), por exemplo, é fundador de um universo original. Isso tem um mérito enorme. Todo mundo que escreve para as 21h, aliás, é assim, talentoso e tem uma marca bem pessoal.
Qual será a sua marca então?
CARNEIRO: "A favorita" tem 35 personagens. "Da cor do pecado" tinha 26 e, no fim, chegou a 30. "Cobras e lagartos", 32. Normalmente, as novelas têm 80 personagens, outras chegam a cem. Além disso, não escrevo pensando numa polêmica. Não quero chocar, nem agüento mais ver tanta violência. Como espectador e morador do Rio, enchi o saco. Estou criando um drama psicológico, uma história orgânica que tem como ponto de partida duas mulheres, Flora (Patrícia Pillar) e Donatella (Claudia Raia). Uma delas está mentindo. Nesse momento, nem eu sei qual das duas é sincera e quero que o público se pergunte isso também. Inventei essa trama para me desafiar. É como um brinquedo. Vivemos uma época em que duvidamos de tudo. Dos políticos, do gerente do banco, dos pais de Isabella Nardoni, de todo mundo. Minha história é sobre isso.
O sucesso do "Big Brother" mostra que o público gosta da sensação de se "apropriar" do que vê na televisão. É um dado novo. Com esse julgamento moral das duas personagens, você pretende, de alguma forma, lançar mão deste tipo de jogo, promover uma certa co-autoria com o telespectador?
CARNEIRO: É isso mesmo. Vou propor um jogo ao público. Mas o meu é dramatúrgico. O do "Big Brother" brinca com a realidade.
Mas o telespectador vai poder decidir os rumos da sua história?
CARNEIRO: Não. Não mudo as novelas por causa da pressão do público. Mas aposto na sintonia. O povo só vai gostar se eu gostar. O espectador, primeiro, sou eu. Nas minhas novelas sempre acontece exatamente o que estava na sinopse. E digo mais: às vezes, quanto mais as pessoas reclamam, mais elas assistem. Em "Da cor do pecado" o público se revoltou com a morte do personagem de Lima Duarte, mas eu não mudei uma vírgula. E a audiência subiu.
O que você acha da importância que se atribui às pesquisas com o público?
CARNEIRO: A pesquisa pode servir como uma referência, mas não pode ser levada ao pé da letra. O autor é quem está com a bola. Você pode mudar a pesquisa, mas a pesquisa não pode te mudar. O bom da TV é que não existe fórmula. Quem acha que descobriu deve começar a vender.
Você teve uma proposta da Record. Não ficou tentado?
CARNEIRO: Convites para a Record, eu tive vários. Não fui e nem iria. Porque eu faço uma novela bem melhor na Globo, com elenco melhor, com diretor melhor.
Você se vê escrevendo novelas para sempre?
CARNEIRO: Não sei. Nunca me imaginei na juventude um autor de novelas. E tem o problema do tamanho. Acho 200 capítulos um absurdo. Se é uma saga, aí sim. Mas no caso de uma blague... Novela não deveria ter um tamanho padrão. Por causa disso, as pessoas acabam criando mil tramas paralelas. Você fica com dificuldade de contar uma história central. A duração excessiva condiciona o gênero à pulverização.
Como você resumiria esse momento de pré-estréia?
CARNEIRO:É fascinante e massacrante. Estou entre o pânico e o maravilhamento
Fonte: SériesETC
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